Gestão da Higiene Menstrual

Acabando com o tabú, devolvemos a dignidade da mulher

Já imaginou uma relação de anos, e talvez décadas, em que os conjugês, mal abordam assuntos pessoais e pertinentes por falta de diálogo causado pelo tabú que os rodeia e seus costumes seculares?

É assim que muitos homens e mulheres das comunidades de Ntique, Metiquiane, e Ndropa, dos distritos de Ancuabe, Chiúre e Montepuez, respectivamente, viveram durante muitos anos, quando o assunto é a gestão da higiene menstrual.

Até bem pouco tempo, a menstruação era vista como algo muito privado e até certo ponto constrangedor e embaraçoso entre as mulheres dessas comunidades. Os homens por sua vez, consideravam uma aberração, pois não sabiam do que se tratava, nem as mulheres se sentiam à vontade para explicar.

O tempo passou, e agora essas comunidades experimentam um novo modos vivendo com a chegada do projecto saúde, na abordagem da Gestão da Higiene Menstrual.

Construídas a partir de material local, bambú, capim e corda, as casas de banho privativas para a gestão menstrual, oferecem privacidade e bem-estar jamais antes experimentada na vida. E para além disso, as mulheres podem falar abertamente sobre o tema com os parceiros.

Comite de avaliação
Mãe e filha

“Meu marido já me compra coisas de amor”

Enquanto amamenta o seu bebé de aproximadamente 2anos, Leontina Marcelino, conta com satisfação como o projecto transformou a sua vida pessoal e conjugal.

“Antes as crianças perguntavam sempre o que eram os panos que eu estendiana casa-de-banho, mas agora, posso estendê-los à vontade, pois ninguém irá vê-los além de mim”

Casada e mãe de 4 filhos, Leontina sentia na pele a indiferença do seu parceiro toda vez que estivesse no seu ciclo menstrual, segundo relata.

“Meu marido as vezes saía de casa, e não aceitava sequer comer a comida que eu preparava, ou dormámos na mesma cama. Era uma situação difícil e humilhante, pois até ameaças de separação recebia quando ele estivesse furioso. Depois da capacitação ele compreendeu que a minha mesntruação é algo natural e me compra coisas de amor, como sabão e roupa íntima”- finaliza com um sorriso no rosto e um brilho no olhar, ao lembrar da mudança que a sua vida teve.

Casal orgulhoso da casa de banho privativa construida por eles

Reforçando a cumplicidade dos casais

Cânticos e muitos assobios marcaram o primeiro contacto com a comunidade de Nropa, no bairro Chahil. Esta comunidade dista a 35 km da vila sede de Montepuez

Enquanto os homens se ocupam na busca de bambu, as mulheres por sua vez arranjam capim e preparam o barro para maticar (acto de colocar barro entre o bambú) e assim surgem as casas de banho, fruto de um trabalho conjunto, que para além de zelar pela saúde, cria um bem-estar para as comunidades.

Há sensivelmente seis meses Laurinda Almeida viu a sua vida mudar com os conhecimentos da gestão da higiene menstrual.

“Hoje não preciso me esconder para fazer o trato da minha higiene. Levo o tempo que preciso na casa de banho, pois sei que ninguém irá me perturbar. Para além de mim, o meu marido sabe que a nossa filha também precisa de cuidados especiais quando está no seu ciclo”-  conta Laurinda.

Enquanto a conversa flui, seu esposo passa por nós, mas a sua timidez não o permite aproximar-se para partilhar a sua experiência, mas a esposa super a vontade e alegre prossegue:

“Este projecto veio transformar as nossas vidas, pois os nossos pensos (tecidos de pano), já não ficam húmidos como anteriormente, que eram colocados por baixo da cama, ou algum outro local não arrejado. Hoje secam ao sol e são reutilizáveis, poupando também na gestão dos tecidos”- acrescentou.

Um jovem consciente dos ganhos do Projecto

O fim do estigma dos homens em relação ao ciclo menstrual das mulheres

Os homens por nós entrevistados, afirmaram que as suas vidas mudaram muito após as capacitações que tiveram, pois agora muitas dúvidas foram dissipadas com a explicação sobre o ciclo menstrual das mulheres.

“Antes do aparecimento do projecto pensava que isso era uma doença, e durante o ciclo mesnstrual eu não parava em casa, pois não queria contacto com a minha mulher”- disse um morador da aldeia Ntique

Questionado sobre o motivo do desprezo, os homens reagiram da seguinte forma:

“Nunca tínhamos tido informação sobre o ciclo menstrual pelo qual a mulher passa. Era um assunto tratado apenas entre mulheres, e sempre as idosas, por isso para nós foi um processo para que compreendéssemos tudo o que nos foi ensinado”- acrescentaram os participantes

Os homens da comunidade de Metiquiane, vão mais longe na descrição do aprendizado.

“Agora percebo a necessidade de comprar produtos de higiene para que a minha mulher possa cuidar dela mesma. Para além disso, é importante que ela tenha roupa inetrior condigna para que possa ter momentos tranquilos durante seu ciclo menstrual”-  Esclareceu Moisés.

“Na falta de sabão, sabemos que podemos colocar cinza para que as mulheres possam manter sua higiene. E é importante ter sempre água na casa-de-banho, porque a menstruação pode iniciar a qualquer momento”- Acrescentou o chefe da Aldeia, Paulo Fernando.

Metequiane, Uma aldeia com força de vontade para mudar

A 25 km da vila sede de Chiure, encontra-se a comunidade de Metequiane. Uma viagem desafiadora, pelo solo rochoso e algumas acentuações íngrimes até o nosso destino. A vegetação densa que nos acompanha, faz-nos esquecer por um momento a simplicidade do lugar que os nossos olhos contemplam. 

Recentemente declarada Livre do Fecalismo a Céu Aberto (LIFECA), a comunidade de Metequiane conta com pouco mais de 100 famílias, divididas pelos dois bairros que formam a aldeia.

Num ambiente rodeado de pequenas e adoráveis crianças curiosas, pouco-a-pouco o grupo foi se formando e dando início ao  processo de avaliação da HELVETAS encabeçada pela oficial do projecto de promoção de saúde, Arnalda Casimiro.

A satisfação expressa em seus rostos, traduzia-se nos muitos “obrigados” e elogios que teciam ao projecto de promoção de saúde.

“Antes nós tomávamos banho no rio e fazíamos as nossas necessidades no mato. As crianças faziam em qualquer sítio e nem sempre as mães tinham o cuidado de tirar para um lugar distante, o que criava moscas e as mesmas pousavam na comida e muitas vezes a mesma era deitada no lixo”- relatou Alfane

As doenças diarréicas já não fazem parte das preocupações desta população, porque agora sabem como previní-las. Outro ganho obtido com o aparecimento do projecto sáude, é a gestão da higiene menstrual, apesar da dificuldade de entendimento no início.

“No início não entendíamos o motivo de ter duas casas de banho, e achávamos um disperdício comprar dois sabões, mas a capacitação e a realidade diária deixou tudo claro. Agora não temos vergonha de receber visita, mesmo em dias em que as mulheres estão menstruadas, porque os seus panos (pensos) ficam esticados num lugar privado, onde só elas têm acesso”- acrescentou Alfane, com um sorriso estampado no rosto, denunciando o seu alívio.

 

Mulheres da Aldeia Ntique

Solidariedade feminina, é uma marca das mulheres idosas

As mulheres idosas das comunidades em que está a ser implemementado o projecto de promoção a saúde, não se deixaram limitar pela sua idade e também buscaram aderir às casas de banho privativas.

Embora estas não estejam em idade fértil, e não verem mais o ciclo menstrual por já terem atingido a menopausa, estas mulheres pensam nas novas gerações, pois não seres isolados e, em algum momento equacionam receber visitas femininas em suas casas e querem que as mesmas sintam-se à vontade.

“As minhas netas podem visitar-me sem receio, pois terão onde se trocar quando estiverem nos seus dias (ciclo menstrual). Para além disso, as mulheres que frequentam o hospital podem fazer uso da mesma nos dias em que precisarem”- disse Fátima João, com um sorriso que denuncia a sua satisfação pela nova realidade vivida.

Fonte de agua aberta por um dos projectos da HELVETAS, na aldeia Ntique

Quando a falta de água torna-se uma ameaça

Os ganhos alcançados são de longe animadores, e apesar da empolgação, estas comunidades têm uma preocupação comum, que pode atrasar os resultados até aqui alcançados.

A falta de água é denominador comum, quando se fala de asuntos sensíveis. A título de exemplo, em Metiquiane, as mulheres chegam a levar cerca 5horas a busca do precioso líquido, e enfrentam longas filas, pois o poço local não consegue abastecer toda a aldeia.

Para além disso o caminho rochoso e íngreme pelo qual se fazem para buscar a água, muitas vezes deixa-as desoladas quando tropeçam em pedregulhos e os seus potes de barro desfazem-se por completo ao chão.

Um outro fenómeno que preocupa o chefe da aldeia, é a emigração dos habitantes causada pela falta de água. Questionado sobre as condições em que se encontram os emigrantes, o mesmo não sabe dizer se na nova instalação lembraram-se dos ensinamentos adquiridos ao longo dos últimos 6 meses com a chegada do projecto.

Ercilia Messias- Colaboradora da Akhilly Consultores

Um início difícil,  e um final feliz

Se engana quem pensa que o trabalho realizado pela Akhily Consultores, parceira da HELVETAS na implementação do projecto de promoção e apoio à Saúde, foi de fácil aceitação nas comunidades envolvidas.

“Hoje” entre muitas risadas, os consultores e habitantes das aldeias lembram-se com muita animação dos momentos de tensão que viveram até serem aceitos e iniciarem a interacção e implementação do programa.

“O primeiro contacto foi muito difícil, as pessoas simplesmente fugiam quando nós chegássemos, e não aceitavam de forma alguma conversar connosco, mas graças a ajuda dos líderes locais conseguimos sensibilizar-las aos poucos e encontramos a brecha que precisávamos para começarmos a trabalhar”- Ercília Messias, Akhily Consultores

Importa frisar que algumas dessas comunidades foram duplamente contempladas, conseguiram declarar-se LIFECA, e agregaram igualmente as latrinas privativas para a gestão da higiene menstrual.

O Projecto de Promoção da Saúde de Cabo Delgado é financiado pela Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação e implementado pelo Governo de Cabo Delgado e pela HELVETAS Swiss Intercooperation em cooperação com a Akhily Consultores